Entressafra
Por pouco o tricampeonato sul-americano não veio em 1994. Muito pouco.
Mais uma vez na final, o São Paulo tropeçou na arbitragem, no Vélez Sarsfield e na tão bem conhecida decisão por pênaltis. Encerrava-se assim um ciclo extremamente vencedor, que elevou o nome do Tricolor ao topo do mundo.
Era chegada a hora de renovação. Na Copa Conmebol de 1994, o São Paulo pôs em campo seu time de “aspirantes”, com jovens promessas como Rogério Ceni, Caio, Denílson e o já destacado Juninho. O técnico era Muricy Ramalho.
O Tricolor pensava no futuro. E a garotada não fez feio. Eliminou os marmanjos de Grêmio, Sporting Cristal-PER e Corinthians. Na final, não tomou conhecimento do tradicional Peñarol, do Uruguai: 6 a 1! Verdadeiro massacre.
Das revelações, Rogério Ceni, Bordon, Fabiano e Denílson, seriam novamente vencedores pelo São Paulo. Mais precisamente em 1998, após o regresso do ídolo Raí. Recém-chegado da França, o eterno camisa 10 são-paulino praticamente fez chover na vitória por 3 a 1 sobre o Corinthians, que deu ao Tricolor mais uma taça de Campeão Paulista.
Todavia, de 1994 a 2000, essas foram as únicas conquistas significativas do clube. No Brasileirão, entre 1995 e 1998 o clube sequer se classificou às fases finais. A maré estava baixa. Mas tudo tinha um motivo. Mais uma vez em sua história o São Paulo investia todos os seus recursos no MorumBIS.
Interditado a pedido do clube em 1994, o estádio passou por profundas reformas estruturais no fim da década de 90. Jogadores foram vendidos, campanhas promocionais criadas e parcerias adotadas. Tudo para deixar o Cícero Pompeu de Toledo novamente nas melhores condições para abrigar jogos do Tricolor Paulista.
Adaptado a novas condições de segurança e conforto, a capacidade de público do Gigante foi reduzida. Um novo sistema de iluminação, muito mais potente, foi inaugurado em 1999. Em janeiro do ano seguinte, todas as reformas foram finalizadas a tempo de se disputar um torneio de verão, protótipo patrocinado pela FIFA.
Com a casa em ordem, rápida e novamente o São Paulo erguia uma taça de campeão, a do Paulista de 2000, após bater o Santos em dois jogos no Templo Sagrado, com direito a gol de falta do goleiro Rogério Ceni, o primeiro gol de goleiro na história do Brasil em finais de campeonato.
O gigante adormecido estava por despertar.
Ponte Aérea
Até 2001, Torneio Rio-São Paulo era sinônimo de frustração para os são-paulinos. Em 21 participações, o máximo posto obtido havia sido o segundo lugar em quatro ocasiões. Mais do que o baixo desempenho – explicado pela competição ter existido, basicamente, durante o período de construção do MorumBIS – tudo parecia acompanhado por altas doses de azar.
Depois ser reativado em 1997, o Torneio Rio-São Paulo viu o Tricolor ser vice em 1998 e cair nas semifinais em 1999 e 2000. O São Paulo não andava muito bem das pernas – seus melhores jogadores haviam sido vendidos ao exterior para sanar as contas adquiridas pela reforma de seu estádio.
A solução foi apostar, novamente, nas jovens promessas que, um ano antes, conquistaram a Copa São Paulo de Juniores. Dentre os meninos tricolores estava Cacá – sim, Cacá com “c”. A jovem promessa (lapidada desde a infância como uma joia rara), contudo, sofrera uma fratura de vértebra em um acidente e, recuperando-se, nem era cogitado como salvador da pátria…
Na primeira fase, a irregularidade deu o tom. Classificando-se em segundo no grupo paulista, enfrentaria o Fluminense, então campeão invicto do grupo carioca. No MorumBIS, vitória simples (gol de França). O segundo jogo foi dramático. Ao fim da partida, 2 a 1 para o Flu. Decisão por pênaltis!
Rogério Ceni, que já fizera uma de suas melhores partidas com a camisa do SPFC no tempo normal, se consagraria na marca da cal naquelas cobranças. Três chutes defendidos e 7 a 6 no placar final para o São Paulo!
A final seria contra o time da Estrela Solitária, mas o SPFC jogaria desfalcado: Rogério fora convocado para a Seleção. No Maracanã, o Tricolor só emplacou no segundo tempo, quando Luís Fabiano, duas vezes, Carlos Miguel e França definiram o jogo: 4 a 1.
Na volta, 7 de março, 71.668 pessoas em um MorumBIS eufórico viram a explosão de uma supernova. Ou seja, o nascimento de uma estrela. A partida corria equilibrada. Temiam que o SPFC se complicasse por excesso de confiança. E o temor era justificado: os alvinegros abriram o placar.
“Seria o azar novamente”? Segundo tempo, 15′: um garoto com o número 30 às costas entra em campo, sem chamar lá grande atenção. Vinte minutos depois, o franzino rapaz recebe a bola, dribla o adversário e chuta na saída do goleiro. Gol de empate! O primeiro gol de Cacá – futuramente Kaká – com a camisa do São Paulo. Não bastava para a consagração. Veio então o segundo, poucos minutos depois, e o grito de “Campeão!” enfim desentalava-se da garganta do torcedor tricolor.
São Paulo Futebol Clube, Campeão do Torneio Rio-São Paulo de 2001.
Agora sim a competição poderia se extinguir de vez. E isto não tardou a acontecer…
Passaporte Novo
“O São Paulo é Brasil na Libertadores, amigo”. Esse tradicional bordão do futebol foi consagrado justamente em jogos do Tricolor durante os anos de 1992, 1993 e 1994. A competição se enraizou de tal jeito na alma do são-paulino que padecer 10 anos sem disputá-la foi um verdadeiro martírio.
Da mesma forma que despertou nos demais o mesmo anseio de possuí-la. Anseio este perdido, esquecido, relegado, até o São Paulo resgatá-lo.
Herança de Telê, a relação do São Paulo com a Copa supera a questão de identidade. É maior. Carteira de identidade qualquer um pode ter. A questão é o passaporte internacional. Carimbos em suas folhas, de Buenos Aires, Montevidéu, Lima, Santiago, são como títulos de primeira grandeza.
Após tropeços consecutivos entre 2000 e 2002, o São Paulo, com a terceira colocação obtida no Campeonato Brasileiro de 2003 – o primeiro da história realizado no sistema de pontos corridos – enfim reconquista o direito de disputar a Copa Libertadores da América, em 2004.
Provando ter um gosto todo especial por ela, a média de público da torcida são-paulina em jogos no MorumBIS foi superior a 56 mil pessoas. Motivado e com um elenco razoável, o Tricolor chegou às semifinais, sendo eliminado no último minuto pelo Once Caldas, da Colômbia, futuro campeão.
Deixou água na boca. O Tricolor não se contentou. Ao fim do Brasileirão de 2004, novo terceiro lugar e vaga mais uma vez garantida na competição internacional. Agora era preciso ser campeão!
Ao mesmo tempo em que inaugurava o Centro de Formação de Atletas Laudo Natel, para a revelação de novos craques, o São Paulo trouxe nomes experientes, como Mineiro e Josué, volantes, e o centroavante Luizão.
O time engrenou. Liderou o Paulistão invicto por 15 rodadas, perdendo a invencibilidade para a Lusa. O título veio a seguir, contra o Santos (0 a 0), com três rodadas de antecipação. Surpreendentemente, e em um momento crucial, o técnico Émerson Leão deixou a equipe, indo trabalhar no Japão.
A equipe são-paulina já havia realizado quatro partidas na primeira fase da Libertadores (duas vitórias, dois empates). O auxiliar Milton Cruz comandou a equipe na quinta (empate fora de casa contra a Universidad de Chile). Seria necessário um nome de peso para levar o Tricolor ao título.
Ele veio, e chegou com absoluta moral. Logo de cara, no Pacaembu, 5 a 1 no pobre Corinthians, que não tinha nada a ver com a história. Paulo Autuori levaria o São Paulo a avançar a passos largos para a conquista de seu tricampeonato sul-americano.
Tricampeão
Na fase decisiva da Copa Libertadores da América de 2005 (o popular “mata-mata”), o São Paulo desbancou um tradicional freguês no torneio. O Palmeiras caiu frente ao Tricolor com duas derrotas (1 a 0 no Palestra Itália e 2 a 0 no MorumBIS – Cicinho mandou lembranças! Duas, aliás).
Nas quartas-de-final, em casa, partida sensacional do capitão Rogério Ceni (dois gols marcados e ainda um pênalti perdido), 4 a 0 no Tigres, do México. O jogo de volta seria a passeio, mas custou a invencibilidade no torneio. A semifinal, contudo, contra o River Plate, pararia toda a América Latina.
Sabendo das dificuldades, o São Paulo investiu um pouco mais. Trouxe o goleador Amoroso. O que o Tricolor desconhecia era um esquema envolvendo o árbitro do jogo para favorecer a equipe portenha. De nada adiantou, com seu novo atacante o SPFC faturou: 2 a 0 em casa (“El MorumBIS te mata”), e 3 a 2 fora. Rumo à quinta final de Libertadores na história!
As pelejas, contra o Atlético Paranaense, foram no Beira-Rio – o CAP à época ainda não possuía um estádio que se encaixasse nas exigências do regulamento para a final do torneio internacional – e no MorumBIS. No jogo de ida, empate em 1 a 1. A consagração se daria no MorumTri!
71.986 pessoas presenciaram mais um show no Templo. Não o de alguma banda famosa, mas do “Time de Guerreiros”, como ficou conhecida a equipe Tricampeã da Libertadores da América, após os sonoros 4 a 0. Rogério Ceni ergue o troféu e a torcida incendeia aos gritos de “Telê, Telê”!
Primeiro clube no Brasil a conquistar a América três vezes, o São Paulo alçou nova meta: a Reconquista do Mundo. A FIFA, à frente da organização do Mundial, o reformulara. Agora com campeões de todos os continentes, o torneio teria a honra de contar com o Tricolor em sua inauguração.
Após fases eliminatórias entre confederações menores, os são-paulinos estrearam na fase semifinal do torneio contra o Al-Ittihad, da Arábia Saudita. Em jogo difícil, mas sob controle, o Tricolor venceu por 3 a 2 (dois gols de Amoroso, um de Rogério Ceni). Restava, na final, o Liverpool.
O time inglês, apontado como favorito, vinha de uma longa sequência invicta e sem sofrer gols. Não foi o bastante para intimidar o ‘Time de Guerreiros’. Os Reds não contavam com o lançamento de Fabão, o domínio e o passe de Aloísio (recém-contratado), e o gol de Mineiro! Contavam menos ainda com o Capitão são-paulino, por quem, naquele dia, não passou nem pensamento.
E, assim, Yokohama, no Japão, viu, em 18 de dezembro de 2005, um título mundial ser decidido à maneira de um verdadeiro Clube da Fé, que perpetuou a lenda Rogério Ceni (escolhido o melhor jogador do jogo e do campeonato) e fincou a bandeira do São Paulo novamente no ponto mais alto do mundo!
Rogério, Fabão, Lugano, Edcarlos, Cicinho, Mineiro, Josué, Danilo, Júnior, Aloísio, Amoroso, Grafite e Paulo Autuori. Os Heróis do Tri, eternizados para sempre na História.
Consecutivo
Não há palavra melhor que possa exprimir a potência que é o São Paulo. Números, todavia, chegam perto. Como é notório, no Brasil, o clube é o maior campeão mundial e maior campeão sul-americano. Também é o maior campeão brasileiro e, desde que nasceu, o maior campeão paulista, acostumado a liderar variados rankings, dos mais diferentes critérios e nos mais diversos períodos (quando no topo não surgia, bom motivo havia).
Em 2006, Muricy Ramalho retorna ao clube. Craque dos anos 70, auxiliar de Telê nos anos 1990 e campeão com o Expressinho em 1994, Muricy vinha determinado a vencer.
Início do ano, Rogério Ceni passa por artroscopia. Do time campeão do mundo, saíram Amoroso e Grafite. No Paulista, o vice-campeonato, por um ponto. Na Libertadores, mais uma vez eliminamos o Palmeiras, com direito a gol de Rogério (de pênalti), na partida de volta, no MorumBIS. Jogos emocionantes contra Estudiantes e Chivas, e chegávamos à nossa sexta final de Libertadores, contra o Internacional de Porto Alegre. Dessa vez, porém, a sorte passou longe do MorumBIS, que também se despediu do ídolo uruguaio Diego Lugano, rumo à Turquia.
Ainda abatido pela perda do título, o São Paulo empata com o Cruzeiro, em Belo Horizonte. O que seria apenas um bom resultado foi, na verdade, a redenção: o Tricolor perdia por 2 a 0, quando um pênalti foi marcado em favor do adversário.
Rogééééério! A grande defesa motivou o Capitão, que ainda marcou dois gols, dando ao Tricolor a igualdade no placar. E assim, com a fantástica reação capitaneada por Rogério Ceni, o Tricolor se reergueu rumo ao título.
Foi o passo inicial para a conquista do Tricampeonato Brasileiro (feito inédito e jamais repetido). O primeiro da trinca, esse mesmo de 2006, acabou vindo com absoluta tranquilidade. De 38 rodadas, o Tricolor liderou 28. Ao assumir a liderança, na 12ª, não a perdeu mais, sendo campeão dos dois turnos da competição.
O título foi decidido com duas rodadas de antecipação, no empate em 1×1 com o Atlético-PR, no MorumBIS. Depois de 15 anos, mais uma vez o Tricolor era campeão nacional. Fato natural para o clube que conquistou o Brasil ao menos uma vez em cada década de existência do torneio.
No ano seguinte, guias e revistas especializados não apontavam o São Paulo entre os favoritos. Ainda assim, o Tricolor assumiu a ponta da tabela na 17ª rodada, após emocionantes vitórias fora de casa contra Grêmio e Botafogo. Como de praxe, seguiu até o fim em primeiro lugar.
O ponto forte da equipe de Muricy era a defesa formada por Breno, Alex Silva, Miranda e, por vezes, André Dias. Com a incrível média de 0,5 gol sofrido por jogo e uma sequência impressionante de nove jogos sem sofrer gols, o São Paulo foi campeão ao vencer o pequeno América-RN, por 3 a 0, em casa, com incríveis quatro rodadas de antecipação.
A joia da coroa seria lavrada em 2008. Novamente a crítica especializada não dava crédito à equipe do São Paulo, eliminada da Libertadores no último minuto de jogo no Maracanã. Adriano, o Imperador, recuperado para o futebol pelo Tricolor, retornara a Milão. Ao início do segundo turno, após derrota para o Grêmio (líder da competição até então, 11 pontos à frente do Tricolor), a mídia já destacava em letras garrafais: o São Paulo tem 1% de chances de ser campeão!
Era essa a probabilidade de título que apontavam ao SPFC de Muricy Ramalho e companhia. Talvez a motivação que faltava para a arrancada final: uma série de 18 jogos invictos. Em Brasília, ao vencer o Goiás (1×0), o São Paulo se consagrou. 1% Campeão!
O primeiro Tricampeão consecutivo do Campeonato Brasileiro desde sua criação, em 1971. O primeiro Hexacampeão (1977/86/91/06/07/08).
Tri-Hexacampeão Brasileiro. Grande por suas glórias, que vêm do passado. Gigante por seu futuro, eternamente promissor.
Renascemos
Nos últimos anos, o torcedor são-paulino vivenciou muitos momentos de emoções marcantes, e boa parte deles foram feitos memoráveis para além de títulos. O Tricolor pôde comemorar uma façanha histórica em 2011: o centésimo gol do goleiro-artilheiro Rogério Ceni, contra o Corinthians. Assim como outras marcas expressivas do capitão, como os mais de mil jogos pelo clube e os vários recordes mundiais obtidos pelo ídolo.
A última grande conquista de Rogério com a camisa tricolor foi em 2012: A Copa Sul-Americana, da qual, o São Paulo saiu invicto – apenas o segundo título da história do clube obtido dessa forma. Na grande final, no dia 12 de dezembro, o Tricolor precisou apenas de 45 minutos para vencer o Tigre, da Argentina, por 2 a 0, gols marcados por Lucas e Osvaldo, para celebrar o 12º título internacional da história da entidade: um recorde entre agremiações brasileiras.
A partida marcou, aliás, a despedida provisória do garoto Lucas, negociado em transferência recorde para o Paris Saint-Germain, da França. A relação do craque com o Tricolor, porém, ainda estava longe por terminar.
Após ser vice-campeão brasileiro em 2014, o São Paulo viu o maior nome do time nas últimas décadas deixar os gramados em 2015. O MorumBIS, acostumado a presenciar o retorno de grandes jogadores, como Luis Fabiano e Kaká, se despediu do maior ídolo são-paulino dos últimos tempos: M1TO aposentou a camisa 01 são-paulina em um festejo épico, com uma homenagem inesquecível que reuniu todos os jogadores campeões mundiais pelo Tricolor em 1992, 1993 e 2005.
Anos difíceis se seguiram, e a torcida, acostumada a títulos, se viu apreensiva pelo retorno dessas conquistas. Nem por isso, porém, os Tricolores deixaram de lado o amor pelo time: desde 2017, o torcedor comparece em peso às partidas no MorumBIS, quebrando recordes a cada temporada, e se tornando elemento decisivo para o São Paulo retornar ao patamar em que sempre figurou.
Aos poucos, o clube recuperou suas forças. Em 2021, o fanático são-paulino gritou “é campeão” ao comemorar o título do Campeonato Paulista sobre o rival Palmeiras em casa, após vitória por 2 a 0, com gols de Luan e Luciano.
A retomada do aspecto competitivo do time seguiu com novas finais estaduais e continentais disputadas em 2022 (o clube foi vice-campeão estadual e da Copa Sul-Americana), mas foi coroada com a conquista de uma taça que faltava – a única que faltava -, em 2023: A Copa do Brasil, vencida após uma campanha épica em que o Tricolor superou, indiscutivelmente, os principais rivais do estado e do país, sucessivamente.