Leônidas – 99 anos do Diamante Negro

Leônidas – 99 anos do Diamante Negro

Calendário 6/09/2012 - 16:58

Leônidas da Silva, se porventura não é o maior jogador da
história do São Paulo, é o maior responsável pelo fato do Tricolor
ser um clube grande, como o é, hoje. Contratado a peso de ouro e
com toda a desconfiança possível por não jogar havia mais de um
ano, Leônidas tomou parte da revolução que transformou o Clube da
Fé no Rolo Compressor dos anos 40, o time em que conquistou
praticamente tudo.

Carioca, Leônidas nasceu em 6 de setembro de 1913. Hoje
completaria 99 anos de vida. O craque faleceu, entretanto, em Cotia
– curiosamente o atual berço das maiores jóias e promessas do
futebol são-paulino – em 27 de janeiro de 2004.

Em meados de 2010, a viúva do jogador, Dona Albertina, doou ao
São Paulo Futebol Clube exemplares da autobiografia do Diamante
Negro. Em homenagem ao eterno ídolo, eis a transcrição da passagem
da contratação e estreia daquele que consagrou a famosa “bicicleta”
e que também se consagrou na história do futebol:

 

Memórias de Leônidas (XXI)


O São Paulo recebeu-me em triunfo

Faltavam poucos dias para deixar o exército, onde apesar de
minha condição, eu construíra novo círculo de amizades. O período
em que lá permaneci serviu-me para consolidar a operação a que me
submetera, relativa a extração do menisco e ruptura dos ligamentos
cruzados do joelho. Estava agora apto a reiniciar as minhas
atividades esportivas, com a ajuda, inclusive, de Mário Américo.
Apesar das desilusões que tais acontecimentos me provocaram, eu
estava com minha consciência tranqüila. […]

[…] Deixei a Vila Militar, regressando aos meus afazeres
particulares e, justamente no dia em que fora visitar os amigos
sinceros que lá deixei, ao voltar para casa encontrei a minha
espera o meu amigo Silvio Caldas, e os membros da diretoria do São
Paulo, Porfirinho, Silvão e Roberto Gomes Pedroza, seu diretor de
esportes. Traziam-me a proposta para eu defender o Tricolor
Bandeirante, afirmando que, sobre a compra do meu passe, eles já
haviam se antecipado, estabelecendo condições com o Flamengo.

Relutei a princípio, pois pretendia seguir em demanda com o
clube carioca até alcançar o meu atestado liberatório. Além do
mais, temia uma mudança radical na minha vida, e, como é natural,
as dificuldades de adaptação de minha progenitora, já idosa.
Roberto Gomes Pedroza, também carioca, habilidosamente convencera
minha mãe de que essa nova fase em nada mudaria meu prestígio, pois
o mesmo ocorrera com ele.

Tricolor

Estávamos em plena Quaresma e, depois de tudo acertado, os
representantes do São Paulo distribuíram um noticiário à imprensa
que, por coincidência, caiu no dia 1º de abril. Isto provocou uma
série enorme de comentários. O São Paulo atravessava nova fase,
pois já contratara Luizinho, Waldemar de Brito e outros valores.
Uns acreditavam na notícia e outros julgavam que era piada de 1º de
abril. Desse modo, deixei o Flamengo, que, entretanto, ganhara
outro ídolo, Silvio Pirilo, para ocupar o meu lugar.

Alguns anos mais tarde – vejam a coincidência – ele também foi
vítima das ingratidões do clube. Fato curioso: Todos os que foram
considerados ídolos no Flamengo, foram também injustiçados, como
Domingos da Guia, Jair Rosa Pinto (que teve sua camisa queimada),
Zizinho, Rubens, que o substituiu, e mais recentemente, Gerson e
Dida.

Apoteose

Nos primeiros dias de abril, quando aqui vim ratificar o meu
compromisso, acompanhado de Silvio Caldas, recebi homenagens
apoteóticas do povo paulista, na Estação do Norte. Cerca de 10 mil
pessoas aguardaram a minha chegada, carregando-me nos braços.
Contam até uma piada de que uma senhora idosa, vendo aquela
multidão toda carregando um homem de cor nos braços, dissera: “Será
o Benedito?!”

Os jornais, com estardalhaço, noticiavam o quanto custara a
minha transferência para o São Paulo: 200 contos de réis! Era
realmente uma verdadeira fortuna, quando na época um cafezinho
custava 200 réis (20 centavos) e um quilo de carne, mil e
quinhentos réis!

Apesar de toda a minha experiência, aquela homenagem calou-me
profundamente até os dias de hoje. Sentia aumentar a minha
responsabilidade, a fim de justificar a confiança que em mim
depositou a diretoria do São Paulo Futebol Clube, cujo presidente
era Décio Pacheco Pedroso. Parado há mais de um ano, teria que me
desdobrar para atingir a condição atlética necessária e conquistar
a platéia paulista, o que em parte se tornou fácil, pois fui muito
ajudado pelo incentivo dos diretores do clube, entre os quais
estavam Paulo Machado de Carvalho, Virgílio Lemos, Sebastião Paes
de Almeida, Porfírio da Paz, José Maria Cabello Campos, Piragibe
Nogueira, Cícero Pompeu de Toledo, entre outros os quais peço
desculpas por não lhes lembrar o nome.

Diamante guardado no bolso

Firmei contrato com o meu novo clube, instalando-me em São Paulo
num apartamento da Rua Vergueiro. Desde o início dos treinamentos,
uma luta pessoal se tornou necessária: combater o excesso de peso.
Apesar de me encontrar há algum tempo em São Paulo, não conseguia
encontrar o meu peso ideal para a estréia. Estava excessivamente
gordo. Os treinamentos especiais com camisas e macacões inteiriços
de lã, mandados confeccionar pelo clube e outras tentativas
semelhantes não foram bem sucedidas.

Apelamos então para o regime alimentar. Uma professora dietética
foi contratada pelo clube e só então passei a alcançar os
resultados desejados. Iniciei os treinos coletivos com bola,
integrando-me no plantel. Minha primeira impressão era a de que
havia desaprendido de jogar. A paralisação tão longa das minhas
atividades havia me afetado profundamente. Porém, lutava contra
todas essas dificuldades, a fim de justificar a minha
contratação.

Estilo

Não senti, absolutamente, qualquer descrédito por parte daqueles
que assistiam aos ensaios, e muito menos por parte da diretoria,
que me dedicava uma atenção toda especial. Apesar de conhecer pouco
dos integrantes do plantel, eles demonstravam-me a melhor das boas
vontades. Mas, no íntimo, sabia não obstante todo esse interesse e
dedicação, que não se tratava apenas de um problema de entrosamento
na equipe, mas de outro, qual seja um estilo diferente de futebol,
mais rápido talvez devido ao próprio clima.

Lembro-me de que nos treinos, quando eu conseguia livrar-me de
um adversário, procurando construir a jogada, via-me novamente
acossado por aquele que já havia batido. Isto diz bem a
movimentação dos atletas paulistas. Apesar de toda a experiência e
bagagem trazidas, cheguei mesmo a descrer da minha recuperação. A
esta altura, o clube marchava bem no campeonato, deixando minha
estréia para algumas rodadas mais tarde, a fim de que eu ganhasse
condições técnicas ideais e estreasse num clássico paulista.

Ambiente

Finalmente anunciou-se o meu aparecimento na equipe, cercado de
curiosidade incomum pelo grande público, devido ao destaque que a
imprensa dera ao fato. O nosso adversário era o valoroso
Corinthians, campeão paulista do ano anterior, que tinha em seu
plantel nada mais nada menos do que sete integrantes do selecionado
paulista campeão brasileiro de 1941. Eu via, assim, aumentada a
minha responsabilidade nesse primeiro compromisso.

O clube procurava salvaguardar-me, antecipando que eu não estava
ainda na melhor das condições técnicas, mas que estrearia mesmo
correndo o risco de ser mal sucedido, uma vez que somente jogando
eu queimaria o excesso de peso, ganhando inclusive mais
confiança.

Nosso adversário acreditava, entretanto, que tais declarações
fossem um despistamento, pois não concebiam que estando eu aqui há
alguns meses não houvesse ainda me recuperado. Era norma, nessa
época, quando marcado um clássico, que seus participantes não
interviessem na rodada anterior. Preparava-se, assim, uma
expectativa maior para o acontecimento.

As concentrações se faziam com quinze dias de antecedências, nas
dependências do Estádio Paulo Machado de Carvalho. Apesar do longo
tempo de concentração, longe de nossas famílias, quase não
estranhávamos, dadas as recreações que nos eram proporcionadas pelo
clube: passeios, caminhadas pelo bairro, teatros e circos, além da
assistência dos dirigentes, prestada pessoalmente, quando nos
traziam revistas, jornais e estímulo. Como vêem os leitores, o
ambiente era ótimo.

Estreia

Chegamos às vésperas do clássico que marcava a minha estréia.
Nessa madrugada (25 de maio de 1942), despertamos com o vozear
tremendo do público que formava fila para a compra dos ingressos,
pois os portões só abririam às 10 horas da manhã. Por isso não
dormimos bem e, pela mesma razão, o clube transferiu o local da
concentração para o bairro do Itaim.

Enfrentamos um adversário que era o de maior expressão na época,
uma vez que o São Paulo estava, a esse tempo, reformulando ainda o
seu plantel. Mesmo assim, vencíamos até os instantes finais, por 3
a 2, quando cedemos o empate, num gol alcançado por Servílio. Eu
não conseguira agradar. Sofrera uma vigilância permanente do
consagrado e experiente astro brasileiro José Augusto Brandão,
destacado para vigiar-me implacavelmente.

No dia seguinte, os comentários sobre a minha estréia eram os
mais desabonadores. Aqui e ali ouvia-se falar no mau negócio que o
São Paulo fizera ao contratar-me, pois havia “comprado um bonde por
200 contos de réis”. Outras piadas ainda como a de que o meu
marcador, o Brandão, havia sido preso porque fora encontrado com um
diamante no bolso… Em parte, esses comentários eram perfeitamente
justificados, porque eu, realmente, não me encontrava bem. Pela
primeira vez me via duramente criticado do ponto de vista
técnico.

Se, de um lado, essas críticas me atingiram, certamente
serviram-me de estímulo maior, tocando em meus brios de atleta e de
homem e fazendo-me reagir para contraria os incrédulos e justificar
a confiança dos que me haviam contratado. Mas, se ela marcou um
descrédito técnico em minha carreira, não é menos verdade de que
também essa estréia me trouxe uma grande alegria pela presença
daquela extraordinária torcida no Estádio Paulo Machado de
Carvalho, constituindo até hoje recorde de espectadores, pois o
público pagante atingiu a 70.218 pessoas!

Não podia deixar de me impressionar profundamente a visão
maravilhosa desse aglomerado humano, que de maneira tão vibrante
testemunhou a esperança e a admiração a um craque, sentimentos
esses de que sou eterno devedor.

 

Leônidas da Silva

Centroavante

Era considerado, quase por
unanimidade, o melhor jogador do mundo dos anos 30 e 40. O São
Paulo o comprou do Flamengo, na transação mais cara da história do
futebol sul-americano até então, no valor de 200 mil. Por ter
passado um período em baixa, naquela época, corintianos e
palmeirenses falavam que o Tricolor tinha comprado um bonde por 200
contos. Sua contratação, entretanto, pode ser considerada marco da
consolidação do SPFC como time grande. Com Leônidas como estrela
maior, o time ganhou cinco campeonatos paulistas em sete anos. Era
tão bom que se credita a ele a invenção da bicicleta. Tinha
apelidos auto-explicativos, como Homem de Borracha e Diamante
Negro. Disputou pelo Brasil as Copas de 34 e 38. Foi o artilheiro
desta última com 8 gols.

Jogos disputados pelo SPFC: 211
Estreia: 24/05/1942
Último jogo: 03/12/1950
Gols Marcados no SPFC: 144
Nascimento: 06/09/1913. Rio de Janeiro
(RJ).
Títulos conquistados no SPFC: Campeão Paulista de
1943, 1945, 1946, 1948 e 1949.

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