Alguns são-paulinos talvez não saibam, mas o Tricolor já teve como sede um recanto aprazível na região onde hoje se encontra o Estádio do Canindé. De 1942 até 1956 (e de 1944 a 1955 como proprietário), o São Paulo utilizou o complexo esportivo e social ali localizado como sede campestre e de treinamentos das equipes de futebol e atletismo.
Tal como hoje, quando o clube recebe as Seleções dos Estados Unidos e da Colômbia em suas dependências no Centro de Treinamento da Barra Funda e no Centro de Formação de Atletas de Cotia, o Tricolor também teve a honra de hospedar uma seleção para a Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil. Nada menos que o país que viria a ser campeão daquele torneio, ao superar o time da casa, que havia levado mais de 200 mil pessoas ao estádio do Maracanã.
O Uruguai chegou em 5 de julho à cidade de São Paulo para a disputa do quadrangular final da Copa. No estádio do Pacaembu eles enfrentariam as seleções da Espanha, no dia 9, e da Suécia, no dia 13 daquele mês. Jogadores, comissão técnica e dirigentes ficaram, então, hospedados no Canindé até a despedida da capital paulista, pois no dia 16 enfrentariam o Brasil, no Rio de Janeiro.
RECANTO TRICOLOR
Sobre essa permanência de dez dias no Tricolor, o jogador Ghiggia, relata no documentário “Maracaná” (Sebastián Bednarik e Andrés Varela, 2014) que “la concentración em San Pablo era muy linda, muy tranquila“. Esse documentário, aliás, mostra cenas de treinamento de jogadores uruguaios no gramado da sede (confira no quadro acima).
Além da hospedagem, o São Paulo ajudou os “orientais” com treinamento, material esportivo e alimentação. Sabe-se que no dia 6 de julho a equipe uruguaia fez o treino de reconhecimento do gramado do Pacaembu utilizando jogadores do Tricolor para compor a equipe reserva, que por sinal venceu a dos titulares por 7 a 5. Tomaram parte naquele jogo-treino Yeso, Toni e Zequinha.
Os jornais O Estado de São Paulo e Folha da Manhã, do dia 12 de julho, relatam uma curiosidade acerca dos treinamentos da Celeste no Canindé e do espírito de luta daquela equipe. Em jogo-treino contra o Arara Clube, dois jogadores uruguaios, Godoy e Gambeta, se engalfinharam no campo (entre si ou com adversários, os jornais se contradizem) e provocaram o fim antecipado da peleja em que venciam por 2 a 1.
DONA CATHARINA
Sobre a alimentação dos hóspedes, Dona Catharina Pugliese Serrone, cozinheira do São Paulo na época, relatou no projeto História em Multimídia do São Paulo FC e do Museu da Pessoa (1994) o seguinte:
“A seleção do Uruguai ‘concentrou’ lá. Lá no Canindé. E comiam lá, e em casa. Eles eram muito ‘educado’. Às vezes, eles vinham do Canindé até a minha casa, que era perto, a pé. E vinham ‘tudo junto’, em uma fileira só, todos juntos…“. Ao ser perguntada sobre com o quê os visitantes se alimentavam, ela respondeu de pronto: “Ah, só carne! Carne, carne, carne, ‘poco’ de arroz e macarronada ou sopa“.
Quanto à fama de comandante turrão de Obdulio Varela, líder do time uruguaio, Dona Catharina concordava: “Ele era meio altinho, não muito gordo. Bravo! Gritava com os ‘jogador’, Ele quem mandava nos ‘jogador’. Ele era o capitão do time“.
Quinze dias depois de regressarem ao Uruguai como campeões, os jogadores presentearam Dona Catharina e seu marido, o sr. Serrone (roupeiro do São Paulo) com passagens aéreas para visitar o Uruguai e lá se hospedarem por duas semanas.
HONRARIA
As homenagens e agradecimentos pela acolhida não pararam por ai. Mesmo antes do fim da competição, os jogadores celestes exaltaram o nome do São Paulo ao entrarem em campo em uma partida de Copa do Mundo com o escudo do Tricolor no peito.
Foi o que fez o goleiro Aníbal Paz (reserva) no jogo contra a Espanha, no Pacaembu. A partida acabou empatada em 2 a 2 e Paz não atuou, mas a foto (ver acima) ficou eternizada em revistas e jornais. O feito torna o São Paulo, ao lado do Malmö, da Suécia (1958, com jogadores da Argentina), os únicos clubes a terem os emblemas exibidos em jogadores e jogos da Copa do Mundo, até hoje – outros times também vestiram seleções no torneio, como o Napoli-ITA, com a Áustria, em 1938; o Cruzeiro-RS, com o México, em 1950; e o Kimberley-ARG, com a França, em 1978.
Os uruguaios se despediram dos tricolores e do Canindé em 14 de julho. Dois dias depois surpreenderiam o Brasil e o mundo, ao derrotarem a seleção canarinho por 2 a 1, de virada, em um estádio superlotado com mais de 200 mil pessoas hostis aos visitantes. “El Maracanazo”.
ANFITRIÃO DE COLÔMBIA E ESTADOS UNIDOS NA COPA DO MUNDO DE 2014
Na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, devido ao alto nível das estruturas de hospedagem e treinamento que possui, o São Paulo abrigou duas seleções nas dependências do clube. Vários times estrangeiros se candidataram para ocupar o Centro de Treinamento Frederico Augusto Germano Menzen, na Barra Funda, e o Centro de Formação de Atletas Presidente Laudo Natel, em Cotia, mas foi a FIFA que escolheu quais nações seriam recebidas pelo Tricolor.
Desta maneira, a seleção dos Estados Unidos ficou hospedada no CT da Barra Funda entre 9 e 30 de junho daquele ano. Já o CFA de Cotia abrigou a equipe da Colômbia, que lá residiu entre os dias 7 de junho e 5 de julho de 2014. Ambos os times usufruíram todos os equipamentos disponibilizados pelo São Paulo, incluindo as unidades do REFFIS de cada sede.
Os norte-americanos sentiram-se quase em casa e, sempre cordiais, fizeram até mesmo dois churrascos (no dia 11 e no dia 27) para confraternizar com imprensa e funcionários do Tricolor. Vale lembrar que o time comandado pelo técnico alemão Klinsmann havia feito a pré-temporada, de janeiro daquele ano, no mesmo CT (onde chegou a realizar dois jogos-treino contra os são-paulinos), e estava bem ambientado.
Os colombianos, mais afastados do centro urbano da capital paulista, se valeram de jovens promessas do futebol do São Paulo para completar treinamentos da seleção. Lucas Fernandes e Caíque, hoje no time profissional são-paulino, foram alguns dos jogadores que tiveram essa importante experiência na carreira (outros nomes que fizeram parte desses treinos: Mirrai, Gustavo Hebling e João Pedro).