A primeira visão do MorumBIS

A primeira visão do MorumBIS

Calendário 10/03/2024 - 00:12

No dia 10 de março de 1953, o São Paulo Futebol Clube apresentou a primeira maquete do futuro estádio do MorumBIS para seus torcedores em um evento especial na antiga sede tricolor na Avenida Ipiranga, no centro da capital paulista.

SAIBA COMO O MORUMBIS FOI PROJETADO

A história de como o estádio do MorumBIS tomou forma, no que se trata da aparência do gigante, começou no dia 2 de setembro de 1952, na primeira reunião da Comissão Pró-Estádio, que traçou vários planos e metas a serem cumpridas para a construção. Uma das decisões tomadas foi a de que, em até dez dias a partir dali, o edital que abriria a concorrência para os anteprojetos arquitetônicos do Estádio seria publicado.

Após a reunião da Comissão Pró-Estádio do dia 7 de outubro, foi revelado que esse edital continha 22 pontos de tudo aquilo que seria necessário construir na área do terreno do São Paulo:

  • 1 – Estádio para futebol e atletismo em construção de concreto armado com capacidade para 120 mil pessoas;
  • 2 – Campo especial para atletismo com arquibancadas com capacidade para cinco mil pessoas;
  • 3 – Campo de futebol para treinamento;
  • 4 – Ginásio para basquete e vôlei, com capacidade para 20 mil pessoas;
  • 5 – Seis quadras descobertas, ladrilhadas e iluminadas, para basquete e vôlei;
  • 6 – Ginásio para tênis, coberto, e com capacidade para 5 mil pessoas;
  • 7 – Nove quadras duplas para tênis, iluminadas;
  • 8 – Parque aquático com piscina olímpica e arquibancadas com capacidade para cinco mil pessoas, piscina para saltos, piscina de polo aquático e piscina para aprendizagem;
  • 9 – Parque infantil aberto às crianças do bairro, com salas de aula, jogos completos e um tanque natatório;
  • 10 – Instalações para boxe e esgrima, nas dependências do Estádio;
  • 11 – Pavilhão para boliche, com três pistas;
  • 12 – Seis quadras para bochas;
  • 13 – Seis quadras para malha;
  • 14 – Pavilhão para banhos turcos e duchas, nas dependências do Estádio;
  • 15 – Sede central com restaurante, bar, salão de jogos, biblioteca e dependências no subsolo para vestiários de sócios;
  • 16 – Teatro;
  • 17 – Estacionamento para 1.500 automóveis;
  • 18 – Salão para reuniões e festas nas dependências do Estádio
  • 19 – Vestiários, almoxarifados, depósitos, etc., independentes, para cada seção esportiva;
  • 20 – Departamento médico central, com enfermarias em cada seção esportiva;
  • 21 – Alojamentos para atletas profissionais, com cozinha e dependências diversas, nas dependências do Estádio;
  • 22 – Alojamento para atletas amadores, também nas dependências do Estádio.

Dias depois, às 18 horas do dia 24 de novembro de 1952, a diretoria apresentou os três anteprojetos arquitetônicos do futuro estádio em esboços artísticos (que custaram, cada, 40 mil cruzeiros).

Os concorrentes apresentados foram a agência de Antonov & Zolnerkevic, a firma de Gilberto Junqueira Caldas e o escritório de Vilanova Artigas, Gastão Rachou Jr, José Carlos Pinto, Carlos Cascaldi e David Ottoni.

Na imagem superior: o projeto de Junqueira Caldas, na central, de Vilanova Artigas, na inferior, de Antonov e Zolnerkevic

O projeto de Antonov e Zolnerkevic era o mais apelativo. (E, apesar dos sobrenomes, a empresa era brasileira, de descendentes de russos). Complexo e futurista, com capacidade de público de 60 mil pessoas e com possibilidade de possuir uma cobertura de vidro, parecia mais uma nave espacial.

E por causa disso – e das publicidades da Imobiliária Aricanduva com o esboço – muita gente acreditava que o MorumBIS seria coberto, ainda em 1970.

Mas Antonov e Zolnerkevic propuseram duas possibilidades. Com a cobertura sobre o gramado, a obra seria orçada em 115 milhões de cruzeiros. Sem, 85 milhões. Já o projeto de Gilberto Junqueira Caldas foi orçado em 150 milhões de cruzeiros. Por sua vez, Villanova Artigas não estipulou custos. Contudo, na concepção deste, o estádio são-paulino teria capacidade para 120 mil pessoas.

Quem definiria o projeto vencedor? Os membros da junta julgadora e especializada da Comissão Pró-Estádio: os senhores Carlos Alberto Gomes Cardim, Oswaldo Arthur Pratke e Pedro França Pinto.

Cícero Pompeu de Toledo e Laudo Natel

A apresentação dos modelos causou boa repercussão na mídia:

“Isto é São Paulo! Essa frase, transformada em símbolo pela repetição útil que lhe imprimiu o nosso saudoso e querido diretor, Casper Líbero, quando revolucionou os padrões da imprensa brasileira, pode ser invocada outra vez, à vista dos três maravilhosos projetos para construção do monumental estádio que o São Paulo F. C. vai oferecer à terra bandeirante”. No mesmo periódico, ainda se leu:

“Porque a verdade é que o Tricolor deu ou vai dar quinau em todos os demais clubes esportivos do Brasil, eis que se propôs construir um verdadeiro monumento esportivo, marco de concreto e aço…”.

No início de 1953, a junta julgadora da Comissão Pró-Estádio definiu a concepção vencedora: foi a proposta de Vilanova Artigas. Historicamente, alega-se que o principal ponto forte para esta escolha foi a capacidade de público: 120 mil pessoas, no desenho original (apesar dos jornais do período noticiarem números entre 100 e 150 mil pessoas). Artigas era adepto do brutalismo, vanguarda artística que valorizava o concreto exposto – outro fator que teria sido preponderante na escolha: menor custo de manutenção.

Vilanova Artigas – Foto do Acervo Vilanova Artigas

O engenheiro e arquiteto João Batista Vilanova Artigas foi um gênio de sua época. Brutalista, seu estilo peculiar deu origem ao gênero conhecido como “Escola Paulista”. Entre suas principais obras, além do MorumBIS, se encontram o edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o prédio Louveira, em Higienópolis, o Parque CECAP, em Guarulhos e o Hospital São Lucas, em Curitiba.

O engenheiro Barros Lima, da Comissão Pró-Estádio, contudo, detalhou melhor os motivos que levaram o São Paulo a decidir em favor do projeto de Artigas:

“Foi grande e acurado o trabalho que tivemos na Comissão Técnica, a fim de proceder a uma escolha conscienciosa e bem fundamentada de um dos anteprojetos em mãos. E após vinte dias (e não horas), de afanoso trabalho analítico, chegamos à conclusão… Apesar de sermos dois engenheiros civis e dois arquitetos, não dispensámos o veredito de especialistas em execução de obras e em cálculos de concreto armado. Consultamos a conceituada firma brasileira Cavalcanti & Junqueira e o engenheiro Eurico Meile, este um dos melhores calculistas de estruturas do País. E com o valioso parecer de ambos, o julgamento pôde ser concluído com o rigor e a justiça necessários…”.

O projeto de Vilanova Artigas foi, em poucas palavras, o melhor dos três.

O professor Artigas tirou o máximo partido da topografia local. A visão do conjunto é esplêndida, de tal forma que, de qualquer ponto da praça, se pode ver o todo. As estruturas são bem traçadas, essencialmente econômicas, e, na totalidade, de boa aparência plástica. Em resumo, o anteprojeto Vilanova Artigas foi o que mais correspondeu às proporções e à elegância do estádio de que precisa o Tricolor”.

Agnelo di Lorenzo, fundador do Arquivo Histórico do São Paulo Futebol Clube, relata na obra não publicada “Epopéia do MorumBIS” que na segunda posição dessa apuração ficou o projeto de Junqueira Caldas e como última escolha a visão de Antonov e Zolnerkevic, muito por causa da capacidade reduzida e pelo altíssimo custo que viria a ser necessário dispender para manter o maquinismo da cobertura retrátil.

Assim, no dia 27 de janeiro de 1953, o firmou dois importantes contratos, o primeiro com a firma de Artigas, no qual o arquiteto se comprometia a elaborar o projeto definitivo do estádio são-paulino e, depois, fiscalizar o andamento das obras. Esse ponto é importante: a empresa de Vilanova Artigas não participaria, efetivamente, da construção do gigante. O segundo contrato firmado foi com a empresa Maquette Zanini Ltda, de José Zanine Caldas, para a confecção da maquete oficial da concepção arquitetônica vencedora.

Cícero Pompeu de Toledo concede entrevista sobre o projeto

Essa maquete e o projeto “definitivo” foram apresentados ao público na sede do Tricolor na Avenida Ipiranga, no dia 10 de março. O trabalho original de Vilanova Artigas contava com estádio de futebol (110.000 m²), ginásio poliesportivo ao estilo “MorumBISinho” com capacidade para 20 mil pessoas (17.000 m²), praça de atletismo e parque aquático com três piscinas (uma olímpica), ambos com arquibancadas para 5 mil pessoas (12.000 m²), diversas quadras poliesportivas (1.300 m²) e sede social (7.500 m²), além das demais exigências previstas no edital tricolor, como teatro grego com concha acústica ao ar livre e com capacidade para 1.500 pessoas, e cinema, sob as arquibancadas do estádio, para mil espectadores.

A construção foi orçada, então, em Cr$ 100 milhões. Mas o projeto apresentado em março de 1953 ainda passaria por alterações. A diretoria são-paulina trabalhou junto ao arquiteto Vilanova Artigas para proceder com mudanças no projeto final, não só do estádio, mas de toda a planta de construções do Tricolor no terreno do Morumbi. A ideia era readequar alguns espaços na área social, mas, principalmente, aumentar a capacidade de público nas arquibancadas do gigante a ser erguido.

Gigante mesmo: no dia 8 de junho de 1954, os tricolores apresentaram ao público e à imprensa o projeto final, aliás, projeto total do Morumbi, em quatro imensos tomos, com mais de um metro de largura cada, estampados com o escudo e as cores são-paulinas. (Por sinal, esses volumes estão desaparecidos). De toda a maneira, as medidas tomadas trouxeram um ganho 30% de capacidade de público, passando a comportar, assim, 156 mil pessoas. O maior estádio particular do mundo, com sobras.

A solução encontrada, para isso, foi a redução do número de pavimentos abertos aos torcedores, de quatro para três, com a unificação dos setores mais elevados em um só, transformando as escadas de acesso ao último em grandes portais de entrada, que hoje caracterizam as arquibancadas superiores do Estádio Cícero Pompeu de Toledo.

Com isso, Artigas entregou ao Tricolor a conclusão de uma de suas maiores obras, como também transferiu os direitos de propriedade sobre o projeto, em troca de Cr$ 1.216.992,60.83 Assim, se porventura o clube desejasse outras alterações no futuro, poderia fazê-lo, com outro responsável assinando a planta arquitetônica. No caso, o engenheiro Roberto de Barros Lima, que passou a chefiar o empreendimento sob supervisão são-paulina.

Preparativos finalizados, era, então, chegada a hora de arregaçar as mangas e começar a erguer o colosso de concreto, o maior estádio particular do mundo, o nosso MORUMBIS.

Michael Serra / Arquivo Histórico do São Paulo Futebol Clube

Compartilhe esse conteúdo

Deixe seu comentário