Parece um enredo de cinema, um conto de superação e consagração, um épico da mitologia clássica, mas é o relato de como o eterno capitão são-paulino, Rogério Ceni, escreveu a história ao se tornar o maior goleiro artilheiro do mundo, superando o antigo detentor da marca, o paraguaio Chilavert.
Poderia ser dito que essa trama começou no dia 7 de setembro de 1990, quando o garoto nascido em Pato Branco, mas provindo de Sinop, chegou ao Morumbi. Ou que a jornada se iniciou e, 25 de abril de 1993, quando estreou no time principal do Tricolor. Ou ainda, quando efusivamente comemorou – sem jeito e sem saber para onde correr – o primeiro gol que marcou, em uma cobrança de falta naquela tarde de 15 de fevereiro de 1997, contra o goleiro Adinam, em Araras.
Mas não. Essa crônica tem como ponto de partida fatos posteriores mesmo à conquista do campeonato mundial de clubes, em 2005, em que o goleiro foi o grande nome da decisão. Não. Começa com uma derrota, dolorosa perda, que adiou a conquista do tetracampeonato sul-americano.
Em agosto de 2006, após dois jogos, o São Paulo perdeu para o Internacional a final da Copa Libertadores da América daquele ano. Como qualquer herói mortal que antes de se elevar ao Olimpo é passível de erros, Rogério Ceni falhou em um dos gols adversários.
O peso da derrota caiu nos ombros daquele que poderia suportá-la. E não demorou muito para que Rogério Ceni mostrasse sinais de superação, a qual, foi crucial não somente para ele, mas para o futuro do Tricolor nos três anos seguintes.
Na partida imediatamente consequente à tristeza do torneio internacional, em 20 de agosto de 2006, o São Paulo foi à Minas Gerais enfrentar o Cruzeiro pelo Campeonato Brasileiro. O Clube do Morumbi liderava a competição naquela altura, após a 17ª rodada, mas somente dois pontos à frente do Santos, que jogaria em casa contra o Vasco.
Os são-paulinos poderiam estar abatidos, mas em verdade controlaram os cruzeirenses em quase todo o primeiro tempo do jogo. Mesmo assim, o placar dizia outra coisa sobre a partida: logo no começo, aos oito minutos, o zagueiro tricolor Alex Silva marcou contra, colocando os mineiros em vantagem.
O Tricolor seguiu na pressão e, em um contra-ataque, viu Michel, aos 34 minutos da etapa inicial, ampliar o marcador para o Cruzeiro em um lance que Ceni quase salvou. Para piorar, quatro minutos depois, pênalti para o time azul, cometido por Edcarlos. O São Paulo ameaçava desabar no Mineirão.
Caso a perda da Libertadores da América continuasse a pesar, o desempenho dos são-paulinos no segundo turno do Brasileirão poderia ser comprometido. Na realidade, tudo o que veio depois, até 2008, esteve ameaçado.
Sem saber de nada disso, claro, Rogério Ceni reavivou o ânimo dos tricolores no jogo e viu a própria estrela voltar a brilhar ao defender o pênalti, cobrado forte e no canto direito do goleiro por Wágner, aos 39 minutos.
Mas a situação do Tricolor continuava comprometedora. Era preciso mais. Muito mais. E Rogério Ceni disso sabia. Aos 43 minutos do jogo em Belo Horizonte, uma oportunidade surgiu. Falta perigosa a favor dos são-paulinos. Um pouco mais longe da área do que o de costume, mas o capitão tricolor logo correu, se prontificando a cobrá-la. E o fez com maestria!
O então camisa 1 do São Paulo rolou a bola para Souza, que a aparou e a deixou pronta para que o goleiro acertasse o chute com o pé direito no canto esquerdo baixo de Fábio, do Cruzeiro. Foi o único gol do M1TO, em toda a carreira, executado com a bola em jogo, rolando.
Mais do que isso: na contagem do Guinness World Records – entidade notoriamente conhecida por homologar recordes mundiais –, com esse gol, Rogério Ceni acabava de se tornar o maior goleiro artilheiro do mundo em todos os tempos! Superando o paraguaio Chilavert, que tinha no currículo 62 gols anotados.
De lá para cá, Rogério Ceni marcou muitos outros gols e conquistou muitos outros recordes. 131 gols marcados em 1237 jogos pelo Tricolor ao longo de mais de 25 anos de casa. Uma lenda. O M1TO!
Porém, o São Paulo, naquele final de tarde do dia 20 de agosto de 2006, continuava perdendo o jogo para o Cruzeiro – a liderança do campeonato estava ameaçada. E Rogério Ceni seguia salvando o time: aos 44 minutos executou uma defesa espetacular em cabeceio de Luisão.
Abençoado, Rogério Ceni teve a chance de empatar o confronto aos 16 minutos do segundo tempo, depois que Aloísio sofreu pênalti. Não desperdiçou. O goleiro foi lá e cobrou com categoria, marcando para o Tricolor: 2 a 2! Uma partida verdadeiramente homérica do capitão são-paulino!
O Tricolor, assim, manteve a liderança do Brasileirão e veio a conquistar, pouco depois, o primeiro turno (e também o segundo).
Este jogo, contra o Cruzeiro, em que Rogério Ceni se tornou recordista mundial pela primeira vez, marcou também a arrancada inesquecível do São Paulo para um feito perpétuo: o clube se tornou, a partir disso, hexacampeão brasileiro e o único tricampeão consecutivamente, em 2006, 2007 e 2008!
O Certificado entregue a Rogério Ceni, ao final de 2006, com outros gols feitos pelo Capitão até aquela data já incluso na contagem