Há 70 anos, Adhemar Ferreira da Silva entrou para a história do esporte nacional ao quebrar o recorde mundial do salto triplo e conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Helsinque, Finlândia. Para detalhar melhor a importância da conquista de Adhemar, é preciso voltar um pouco no tempo e relatar o início de sua trajetória no esporte.
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Filho único, Adhemar Ferreira da Silva nasceu no bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo, em 29 de setembro de 1927. O pai, Antônio Ferreira da Silva, era ferroviário, e a mãe, Augusta Nóbrega da Silva, empregada doméstica. Não chegou a conhecer os avós, mas sempre ouviu dizer na família que o avô vinha de uma linhagem nobre da África, onde inclusive teria sido rei.
Adhemar brincava na rua. Jogar futebol era sua diversão predileta. Ele chegou até mesmo a fundar uma equipe de várzea, o Grêmio Esportivo Centenário, da Casa Verde mesmo. Nesse time, ele jogava como médio volante. Mas a mãe do atleta reclamava desse passatempo: considerava perigoso jogar naqueles campos esburacados ou de grama alta. Não durou muito a carreira de jogador de futebol do ídolo.
Sua alfabetização foi num colégio de freiras. Estudou na Escola de Aprendizes de Ofício, atual Escola Técnica, e formou-se em Belas-Artes. O futuro campeão esteve perto de se tornar escultor. Tudo mudou em 1946. Adhemar estava com José Márcio Cato no centro da cidade quando um rapaz forte e esguio passou por eles. O amigo disse: “Esse é o Benedito Ribeiro, atleta do São Paulo”. A palavra “atleta” fez com que Adhemar sentisse que queria ser um.
O ATLETISMO
Como seu amigo treinava no clube, ele se propôs a levá-lo para o Canindé, sede do Tricolor na época. Lá encontrou seu primeiro técnico: Dietrich Gerner. Adhemar fazia aquecimento, ginástica, passou por uma série de corridas… Fazia de tudo um pouco, sem saber o que queria fazer exatamente. Passou por uma série de corridas de 100, 200 e mil metros, saltou em distância, em altura e fez uma prova de revezamento. No mesmo ano, participou de inúmeras competições amistosas, sem se destacar em nenhuma delas. Não foi um bom começo. “Se havia um último colocado, eu sempre chegava depois desse último”.
Em 1947, Adhemar fez, então, o primeiro salto triplo de sua vida. Ele havia visto alguém praticando a modalidade e quis o mesmo. Viu que precisaria tomar distância, correr, chegar à tábua branca que delimitava o salto, bater ali o pé, alçar o corpo, cair sobre a mesma perna, saltar novamente, mudar de perna e atingir a caixa de areia. “Achei interessante e pedi que o rapaz me explicasse tudo de novo, pois não entendi nada”.
Ainda assim, conseguiu despertar a atenção do técnico, que o mandou repetir o pulo. Foi a 12,8 m. Livros de atletismo registram que iniciantes dificilmente chegavam a 11 m. Evoluindo a cada prova, sagrou-se campeão paulista com 13,89 m naquele mesmo ano. Logo se tornaria campeão, também, brasileiro e sul-americano.
Foi, então, buscar o índice olímpico. A marca qualificatória estabelecida no Pré-Olímpico do Rio de Janeiro era de 14,80 m, e os colegas diziam que só ele era capaz de conseguir a vaga. “Eu só queria conhecer o Rio e eles falavam de Londres!”. Superadas as dificuldades financeiras para viajar à Cidade Maravilhosa, enfrentou e venceu os maiores nomes da época: Geraldo de Oliveira, o “Canguru brasileiro”, e Hélio Coutinho da Silva. Saltou 15,03 m e se classificou para os jogos.
Na hora da competição, no famoso estádio Wembley, e diante de 120 mil pessoas, foi batido pela inexperiência. Perdeu a concentração e não se aqueceu direito. “O juiz me chamava, eu saltava e olhava o público, achando que ia ter um jogo de futebol”.
Em 1949, o técnico Gerner trabalhou Adhemar para superar o recorde paulista, de 15,13 m, do citado Geraldo de Oliveira. Logo na primeira tentativa ele fez 15,51 m e quebrou também o recorde sul-americano, que pertencia ao argentino Luiz Ankel Brunetto desde os Jogos Olímpicos de 1924. A partir daí começou uma sucessão de recordes e vitórias no grande mundo do atletismo, chegando a superar o recorde mundial ao saltar 16,01 m, em 1951, embora o feito não tenha sido homologado por vários anos. As façanhas do atleta são-paulino, no entanto, chamavam a atenção de todos pelo mundo.
OURO E RECORDE
Classificado para os Jogos Olímpicos de 1952, em Helsinque, na Finlândia. Adhemar, estudioso, tratou logo de se encontrar com os intérpretes dos finlandeses que aqui vieram disputar a corrida de São Silvestre, em 1951, os Lehto. Na chegada à capital finlandesa, Adhemar tratou de testar seus conhecimentos da língua local. E saiu-se bem com as expressões que aprendeu. No dia seguinte, os jornais diziam: “Da Silva do Brasil chega falando ‘terve, terve’ e cantando ‘Niin mina neitonen sinulle laulan’”. Simpático e cativante, saía às ruas e as pessoas lhe desejavam sucesso na competição.
Totalmente preparado, tanto socialmente quanto fisicamente. Adhemar Ferreira da Silva, no dia 23 de julho de 1952, bateu o recorde mundial do salto triplo, pertencente então ao japonês Naoto Tajima, saltando 16,05 metros nas classificatórias.
Não bastasse, no mesmo dia, Adhemar quebrou o próprio recorde mundial por outras três vezes, saltando 16,09m, 16,12m e 16,22 metros. Aliás, foi o único, dentre os 35 competidores, a saltar acima dos 16 metros. E todos os saltos foram aferidos e legitimados por nada menos que dez juízes. Tudo absolutamente inédito e arrasador.
Conquistou o recorde mundial. Conquistou o recorde olímpico. Conquistou a medalha de ouro.
“Apenas saltei o que pude. Não esperava fazer nada disto… Ofereço meu triunfo ao povo brasileiro”. À imprensa também agradeceu o trabalho e apoio do treinador Dietrich Gerner, no São Paulo. Por sua vez, o técnico tricolor definiu que “Adhemar é realmente um atleta extraordinário. Ninguém mais do que ele é talhado para grandes feitos. Cumpriu sempre à risca as minhas instruções”.
No pódio, Adhemar chorou e, aclamado pelos 70 mil torcedores, que gritavam seu nome, agradeceu a todos dando uma volta pela pista: Foi a primeira volta olímpica de um brasileiro. De quebra, o atleta ostentou o emblema do São Paulo na foto oficial do recorde mundial, que ficou consagrada na história.
O Tricolor retornou à homenagem ao ídolo. “Nossa admiração e orgulho por Adhemar Ferreira da Silva, antes de ele conseguir novo recorde mundial do salto triplo, era enorme. Mas, agora, é extraordinária”, disse o presidente Cícero Pompeu de Toledo, indo além: “Uma estrela na bandeira do S. Paulo simbolizará o feito de Adhemar Ferreira da Silva”.
Essa ideia corria entre os dirigentes e conselheiros do clube desde quando o são-paulino saltou 16,01 m, em 1951. Oficialmente, nos Estatutos, porém, a medida só foi oficializada na versão de 12 de setembro de 1953. Nada que impedisse as devidas homenagens públicas. Depois das cerimônias oficiais na capital do país, com políticos e afins, Adhemar e família voltaram, enfim, a São Paulo, às 10h30 do dia 10 de agosto, onde foi recepcionado por uma multidão de torcedores no Aeroporto de Congonhas. “Com flores, risos e lágrimas, São Paulo recebeu o seu campeão”, foi a manchete do Última Hora.
Já às 15h30, o recordista mundial já estava no Pacaembu para ser novamente homenageado, minutos antes da bola rolar para um São Paulo x Vasco da Gama, por uma imensidão de brasileiros agradecidos, que não lhe poupou aplausos. O time carioca também ofereceu um presente: a bandeira do São Paulo com a prometida estrela dourada em honra ao feito conquistado por Adhemar.
A SEGUNDA ESTRELA
Em 1955, nos Jogos Pan-Americanos da Cidade do México, novamente bateu o recorde mundial ao atingir a marca de 16,56 metros. Em homenagem a esses dois feitos extraordinários, naquele mesmo ano de 1955 o clube decidiu homenageá-lo, fixando duas estrelas douradas em sua bandeira (hoje também ostentadas no escudo e camisa).
Já no Vasco da Gama, em 1956, conquistou novamente uma medalha de ouro nas Olimpíadas, agora saltando 16,35 metros. Somente Adhemar e Robert Scheidt (que igualou o feito em 2004) possuem duas medalhas de ouro individuais nos Jogos Olímpicos representando o Brasil.
ADHEMAR FERREIRA DA SILVA
Nascimento: São Paulo, 29 de setembro de 1927
Falecimento: São Paulo, 12 de janeiro de 2001
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