Todo são-paulino sabe que os anos 60 foram os mais difíceis em termos de conquistas na história do Tricolor, principalmente pelo esforço hercúleo de se construir e finalizar o Estádio do Morumbi – o maior estádio particular do mundo, à época. Difícil também porque nesse período o Santos, de Pelé e cia., atrapalhava um pouco…
Ainda assim, o Tricolor tem um jogo inesquecível frente ao time que dominou o cenário futebolístico daquela década e que todo torcedor – principalmente os que estiveram no Pacaembu no dia 15 de agosto de 1963 – gosta de lembrar (e também tirar um sarro).
Naquele quinta-feira, a tarde, a expectativa do público era o de um grande clássico. Cinco meses antes, o São Paulo sofrera nas mãos dos rivais a maior goleada já imposta por eles (2 a 6). Agora, os tricolores queriam a desforra. A imprensa, por sua vez, destacava o duelo entre o santista Pelé e o ex-santista e então tricolor Pagão, apregoando que seria um confronto equilibrado.
Mas o que se viu em campo foi uma supremacia são-paulina: o Tricolor goleou o Santos. Não foi nem a maior goleada já aplicada sobre o rival em todos os tempos (9 a 1 em 1944 é hors concours), ainda assim, deu pro gasto. O resultado provocou uma reação nunca vista contra esse adversário e que jamais voltou a ocorrer: o Santos abandonou o jogo, aliás, não somente: fez cai-cai e fugiu de campo. É o expressamente dito nos jornais da época.
Sem colocar a carroça na frente dos bois, vamos do princípio. 60.115 pessoas foram ao Pacaembu ver o SanSão válido pelo Paulistão de 1963. A casa cheia motivou os tricolores a partir para o ataque e assim, logo aos cinco minutos, Faustino recebeu um passe de Martinez pela direita, cortou para o meio, se livrou de Aparecido e driblou Mauro e Dalmo na entrada da área. Cara a cara com o goleiro, chutou rasteiro sem chance alguma para Gilmar: 1 a 0 para o São Paulo! Que golaço!
Imediatamente após o gol, o Tricolor teve cinco chances para ampliar o placar, mas desperdiçou as oportunidades (parou nas mãos do arqueiro). Dias, naquela altura, era quase como um sexto atacante são-paulino, tabelando com Faustino e Pagão. Apesar desse volume de jogo, aos 21 minutos, o Santos empatou com um gol de peixinho de Pelé.
O tento rival por pouco tempo desestabilizou o esquema de jogo do Mais Querido e os adversários passaram a incomodar mais no ataque. Porém, o sistema defensivo do Tricolor corrigiu a falha que proporcionou o gol de empate santista (deslocando Jurandir e até Sabino para o lado esquerdo, impedindo novas bolas na área; no direito, Deleu deu conta de Pepe e Pelé não achava espaço).
Assim, em pouco tempo o São Paulo já mandava na partida novamente. Não causou estranheza que, aos 37 minutos, tenha balançado as redes: Pagão, fazendo jus à torcida, roubou a bola do ex são-paulino Mauro na altura do meio do campo e lançou para Benê, que rapidamente tocou de volta para Pagão. Enquanto o atacante ajeitava a pelota, o meia disparou ao ataque, onde recebeu mais uma vez a bola, agora já de frente a Gilmar. Foi só tocar para o fundo do gol: 2 a 1 para o São Paulo! Que tabela!
A maneira como ocorreu o segundo gol do Tricolor deve ter sido um baque daqueles para os jogadores do time praiano, pois, apenas três minutos depois, o São Paulo chegou facilmente ao terceiro gol…
Sabino fintou Aparecido duas vezes (este falhou em cometer a falta nas duas) e passou para Martinez, à frente. O paraguaio do time do Morumbi, como bem ressalta do jornal O Estado de S. Paulo, não estava impedido, pois o zagueiro Mauro estava bem junto ao goleiro Gilmar, dando-lhe condições. Fazendo pivô, Martinez devolveu a bola para Sabino, que invadiu até a pequena área, deixando à poeira a dupla de zaga e o guardião litorâneo, que tentou cometer pênalti e nem isso conseguiu: 3 a 1 São Paulo! Que velocidade!
Os oponentes, após esse tento, reclamaram muito da validação pela arbitragem. O juiz, Armando Marques, então expulsou Coutinho, por tê-lo dito “Todo o jogo você #$!%@#$” (censura minha, expressa em A Gazeta Esportiva). A lenda, porém, diz que o atleta teria atacado a masculinidade do apitador: “Satisfeito, florzinha?”. O fato é que a atitude do árbitro causou a explosão e a revolta de Pelé, em seguida: “Ele não está expulso, seu ladrão!”. O camisa 10 santista foi o próximo a ver o olho da rua.
Se 11 contra 11, a situação estava feia para o time alvinegro, com dois a menos pintava uma chance do São Paulo relembrar 1944. O 3 a 1, que marcava o fim do primeiro tempo, apesar de bom, não refletia a tremenda superioridade do conjunto tricolor na partida: tinha tudo para ser um vareio daqueles.
Antecipando as possibilidades futuras, muitos no Pacaembu imaginavam que o Santos sequer voltaria para a etapa final. Posteriormente, em A Gazeta Esportiva, o técnico são-paulino Brandão afirmou que o médico do adversário, o Dr. Salerno, havia dito a ele que o time praiano melaria o jogo.
Mas sim, o Santos subiu ao gramado do Pacaembu para a segunda etapa. Porém, com oito jogadores – um a menos que o esperado. Aparecido (misteriosamente) contundiu-se no vestiário – disseram. Vale lembrar que naquela época em jogos de campeonato não eram permitidas substituições.
Foi só bola rolar que começou o cai-cai e revelou-se a trama. Aos três minutos, em uma jogada banal, de encontrão de Bellini com Pepe, este se atira ao chão, praticamente ferido de morte… Agora o Santos tinha sete em campo – o limite para o jogo seguir.
E seguiu, com o Tricolor no ataque, mesmo meio “sem jeito” com tudo o que acontecia. Enfim, era obrigação fazer mais gols, e o fez: Aos cinco minutos, Dias dominou pela direita, viu Pagão avançando pelo meio e lançou primorosamente para o atacante. Ainda na corrida, bateu prontamente para o gol e anotou, sem chance para o goleiro: 4 a 1 São Paulo! Que finalização!
Pena que não deu para mais nada. Na saída de bola, Dorval alardeia contusão após chutar a bola… O cai-cai foi indecente de descarado. Com a atitude dos santistas, com somente seis atletas no relvado, não restou ao árbitro nada mais do que encerrar a partida aos oito minutos do segundo tempo. Só foram disputados 53 dos 90 minutos regulamentares.
O São Paulo não pôde alcançar o recorde de 1944, mas, de todo jeito, a partida entrou para a história como “aquela vez que o time do melhor jogador do mundo de todos os tempos fugiu de campo com medo de sofrer uma goleada implacável do Tricolor”.
Depois desse jogo, o time santista, que era campeão mundial, etc. e tal, desandou de vez e terminou o Campeonato Paulista na terceira colocação, atrás do próprio São Paulo, vice-campeão. Coube ao Mais Querido, ainda, uma conquista que se iniciou imediatamente após essa peleja contra o Santos: A Pequena Copa do Mundo, realizada na Venezuela, onde o Tricolor desbancou o Porto e o Real Madrid, com moral.
GOL A GOL
A Gazeta Esportiva e O Estado de S. Paulo
FICHA DO JOGO
SÃO PAULO Futebol Clube 4 x 1 Santos Futebol Clube
15/08/1963. Campeonato Paulista
São Paulo (SP), Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho – Pacaembu,
SPFC: Suly; Deleu, Bellini, e Ilzo; Dias e Jurandir; Faustino, Martinez, Pagão, Benê e Sabino. Técnico: Osvaldo Brandão.
SFC: Gilmar; Aparecido, Mauro e Geraldino; Zito e Dalmo; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula.
Gols: Faustino, 5/1, Pelé, 21/1, Benê, 37/1, Sabino, 40/1 e Pagão, 5/2
Árbitro: Armando Marques
Expulsões: Pelé e Coutinho
Público: 60.115 pagantes
Renda: CR$ 19.950.000,00